Texto sugerido pelo leitor Cotrim. Embora no campo econômico liberais e conservadores tenham certa coincidência, as duas correntes são bem opostas no que se refere às liberdades individuais. Mesmo assim, vale a pena ler!
Republicano convicto, ligado a Reagan e Bush, o advogado Ted Olson causa
espanto por defender a legalização do casamento entre homossexuais
Por Juliano Machado
Era novembro de 2008 e o diretor de cinema americano Rob Reiner almoçava
com sua mulher, Michele, e um consultor democrata chamado Chad Griffin
em Beverly Hills. Fazia dez dias que os eleitores da Califórnia haviam
aprovado a Proposição 8, um referendo que incluía na Constituição do
Estado o seguinte artigo: “Apenas o casamento entre um homem e uma
mulher é válido ou reconhecido na Califórnia”. A emenda derrubava uma
decisão anterior da Suprema Corte Estadual, que autorizava o matrimônio
entre pessoas do mesmo sexo. Homossexual assumido, Griffin se dizia
inconsolável. O casal Reiner, ativista da causa gay, foi então atrás de
um advogado renomado que aceitasse entrar com uma ação contra a
Proposição 8. Quando uma amiga de Michele lhe sugeriu o nome de Theodore
Bevry Olson, a reação foi de indignação: “Ted Olson? Por que eu
procuraria esse cara?”.
A surpresa de Michele não era sem razão. Convencer Ted Olson a assumir uma causa dessa parecia uma piada de mau gosto. Aos 69 anos, ele moldou uma imagem de prodígio entre os juristas mais conservadores dos Estados Unidos. Em 1964, foi um dos poucos estudantes de Direito de Berkeley, na Califórnia, a apoiar a derrotada candidatura à Presidência do republicano Barry Goldwater, o “Sr. Conservador”. Nos anos 80, serviu como membro do conselho legal do governo de Ronald Reagan, que lhe deu de presente uma fotografia dos dois com a seguinte inscrição: “Obrigado, de coração”. A fidelidade republicana ficou notória em 2000, quando Olson defendeu George W. Bush na histórica disputa com o democrata Al Gore para saber quem seria o novo presidente americano. Ele convenceu a Suprema Corte a interromper a recontagem de votos na Flórida e pôs Bush na Casa Branca. Como prêmio, ganhou o cargo de procurador-geral, exercido entre 2001 e 2004. Como um homem desses, “o advogado de Bush”, poderia topar dedicar seus esforços a favor do casamento gay, algo que outros conservadores repudiam com todas as forças?
Olson topou, para espanto geral. Em maio passado, tornou-se o representante legal de dois casais gays – as mulheres Kristin Perry e Sandy Stier, que criam quatro filhos, e os homens Paul Katami e Jeffrey Zarrillo. Eles entraram com uma ação numa corte federal contra o governo da Califórnia para derrubar a Proposição 8. O caso ganhou projeção nacional com o nome de Perry versus Schwarzenegger – curiosamente, o governador Arnold Schwarzenegger também é a favor do casamento entre homossexuais. O juiz Vaughn Walker já ouviu acusação e defesa e deverá anunciar sua sentença no mês que vem. A expectativa de Olson é que o caso vá parar na Suprema Corte dentro de dois anos.
CAUSA
Ted Olson em seu escritório, em Washington. No detalhe, Kristin Perry (à esq.) e Sandy Stier, um dos casais gays defendidos por Olson
Ted Olson em seu escritório, em Washington. No detalhe, Kristin Perry (à esq.) e Sandy Stier, um dos casais gays defendidos por Olson
É evidente que tanto liberais quanto conservadores tentaram encontrar justificativas para a decisão de Olson, que aparentemente estava jogando no lixo todo o seu passado. Alguns de seus colegas republicanos achavam que só poderia haver “perdão” pela suposta traição a seus princípios caso Olson tivesse um homossexual na família – ele não tem. Outros, mais radicais, preferem nem tocar no assunto com o amigo. Do lado democrata e dentro da comunidade gay, há até quem ainda desconfie de sabotagem – Olson teria aceitado o caso para forçar uma derrota em nível federal e enfraquecer a causa. Nada disso.
Segundo o próprio Olson, não há nenhuma incoerência entre suas convicções legais e o apoio aos gays. Como um conservador, ele diz defender sempre a liberdade do indivíduo e o direito de não sofrer interferência do Estado em sua vida privada. Proibir o casamento gay, portanto, seria um desrespeito a ambos os princípios e a Proposição 8 uma medida inconstitucional. “A Declaração de Independência americana diz que a vida, a liberdade e a busca da felicidade são direitos inalienáveis. Que melhor forma de realizar essa aspiração nacional senão aplicar os mesmos direitos a homens e mulheres que se diferenciam dos outros somente por sua orientação sexual?”, diz Olson em um artigo à revista Newsweek. Para ganhar a simpatia dos liberais, convidou o respeitado advogado David Boies, seu adversário no caso Bush versus Gore e amigo na vida fora dos tribunais, a dividir a causa. Boies aceitou o desafio.
Nesse mesmo texto, Olson diz que até hoje nenhum de seus amigos, entre eles religiosos radicalmente contra o casamento gay, conseguiu lhe expor um argumento razoável para impedir que os homossexuais tenham o mesmo direito de qualquer outro casal. Uns alegam que isso desvaloriza o objetivo da procriação da espécie. Para Olson, o fato de permitir aos gays que se casem não desestimula a união entre heterossexuais e seu provável interesse em ter filhos. Na visão dele, como a homossexualidade não é uma questão de opção, a proibição não vai cumprir um papel de encorajar gays a ter relações heterossexuais. Outro argumento de Olson diz respeito à “aberração” legal criada pela Califórnia depois da Proposição 8, que dividiu os habitantes do Estado em três categorias: héteros, que podem se casar livremente; gays que podem viver juntos em uma “união doméstica”, mas sem direito a casamento; e, por fim, gays que se casaram antes da vitória do referendo e, agora, não podem partir para um segundo matrimônio se quiserem o divórcio.
Dentro de casa, Olson tem o apoio incondicional da advogada Lady Booth, sua quarta mulher – a anterior, Barbara, morreu no avião sequestrado por terroristas que se espatifou no Pentágono em 11 de setembro de 2001, dia do aniversário dele. Sua mãe, Yvonne, ficou preocupada com a repercussão do caso, mas depois consentiu. O problema mesmo será convencer um país em que apenas cinco dos 50 Estados já aprovaram o casamento entre homossexuais. Amigos mais próximos de Olson dizem que ele está empolgado com a causa como se fosse um iniciante e teria dito que é a mais importante de sua carreira. Segundo Paul Katami, um dos gays defendidos por ele, Olson lhe disse para planejar o casamento com Jeffrey Zarrillo daqui a alguns anos. Vinda de um advogado que participou de 56 processos diante da Suprema Corte e venceu 45, essa promessa faz crer que o defensor de maior peso dos gays americanos saiu justamente do ninho inimigo.
fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI120421-15227,00-UM+CONSERVADOR+AMIGO+DOS+GAYS.html (acesso em 10/03/2011)