Os homossexuais chineses começam a despertar hoje pouco a pouco para reivindicar os seus direitos ao comunismo, o sistema político que desde a implantação há 60 anos os humilhou e os afastou da vida pública.
Apesar do ir e vir pelos campos de reeducação comunistas, do rebaixamento moral diário e da incompreensão da sociedade, hoje o rosto de Ba Li, um homossexual de 70 anos, transparece sossego.
Ba tinha 10 anos quando em 1949 foi estabelecido, sob o mandato de Mao Tsé-Tung, a República Popular China. "Cresci sob a bandeira vermelha. Achei e apoiei os ideais da República e do Partido Comunista. Éramos uma geração com fortes princípios políticos e eu um cidadão modelo", detalhou em entrevista à Agência Efe.
Professor em um colégio de Pequim, a primeira vez que foi detido e enviado a um campo de reeducação foi em 1971, em plena Revolução Cultural (1966-76), quando um amigo seu foi preso e entregou às autoridades uma lista na qual figurava seu nome. Tinha 32 anos.
Foram três anos de trabalhos forçados e humilhações por parte dos guardas e dos próprios companheiros. Uma época que mudou sua vida. "Minha mãe morreu quando estava no campo. Sempre pensei que não conseguiria suportar essa situação. Minha mulher fugiu com meu único filho e nunca mais soube deles", contou.
Os homossexuais sofreram perseguição pública, segregação social, castigos físicos e prisão durante e depois da Revolução Cultural, como parte da limpeza lançada em nível nacional por Mao Tsé-Tung contra todos os elementos contra-revolucionários.
O Governo comunista os qualificou publicamente de doentes mentais, situação que perdurou até 2001, e os confinou em centros de detenção e acampamentos de reeducação.
"A tortura psicológica foi o que mais me afetou, e embora tenha perdido minha dignidade e a esperança, o tempo todo sentia que tinha sido tratado injustamente", comentou Ba, vestindo uma camiseta do aniversário da fundação da República Popular da China, comemorado em 1º de outubro.
Os banheiros públicos eram os locais secretos onde os homossexuais se encontravam. Foi justamente em um banheiro público que o professor acabou preso pela segunda vez, ao iniciar uma conversa com um policial.
A terceira e última prisão de Ba ocorreu em 1986, quando as reformas econômicas de caráter liberal do dirigente Deng Xiaoping já tinham aberto oito anos antes às portas da China ao resto do mundo.
"O que na China muitos não entendem ainda é que a homossexualidade não é algo que se possa escolher", explicou Ba, que após sua última detenção foi obrigado a vender mapas turísticos por Pequim diante da impossibilidade de encontrar trabalho.
Em 1997, com Jiang Zemin no poder, o novo código penal deixou de condenar indivíduos pela orientação sexual, mas perdura até os dias de hoje a censura no cinema e na imprensa.
No entanto, Ba sentiu-se orgulhoso pela evolução do gigante asiático que "apesar do estigma que ainda existe de perseguição aos gays e que muitos ainda vivem assustados, atualmente existe uma luta contra a ignorância social".
"As pessoas têm pouca informação, a censura e a discriminação existem, mas o país progrediu e isto significa que a vida tem sentido, uma sensação que me foi roubada durante muitos anos", enfatizou.
A seu lado, o jovem Jiang Hua escutava as palavras de Ba com atenção e certo assombro, embora apenas 37 anos os separem, as suas vivências como homossexuais foram completamente distintas.
"Se comparo minha situação com a qual viveram os gays há 30 anos, me sinto livre. Mas ainda temos muitos buracos para ultrapassar", acrescentou à Efe, Jiang, médico que tem uma relação estável há seis anos.
Segundo Jiang, um dos grandes avanços para os homossexuais na China foi a internet, que tornou possível a interligação de uns com os outros sem a necessidade de irem a lugares públicos.
E embora ainda existam sérios problemas para serem superados, o médico sente-se feliz por pertencer a uma geração que luta e é testemunha que o futuro trará grandes mudanças.
Publicado originalmente em http://ilga.org/ilga/pt/article/m8wRubQ1CJ (acesso em 08/01/2010)
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