domingo, 20 de dezembro de 2009

Sobrou até para o Ney Matogrosso...


No último dia 10, o cantor Ney Matogrosso fez a seguinte declaração à agência de notícias Lusa: "Não gosto de pessoas que se pavoneiam na rua de fio dental, se beijando em frente a crianças. Sou um pouco contra estas demonstrações públicas e já fiz mais do que isso, sozinho".
Tido como um ícone da liberdade de expressão sexual e da androginia, a afirmação pegou muita gente de “surpresa”. Justamente ele? Ocorre que o artista brasileiro levou críticas de todos os lados. Em fóruns na internet voltados ao público LGBT, Ney foi taxado de “velho hipócrita”, “bicha caduca” e “falso moralista”. Um militante gay chegou a dizer: "Ney vive numa pseudo inclusão porque é artista e rico e pode comprar o que quiser isso, inclui bofes e amigos. Se ele morasse na favela, certamente não teria esse pensamento pequeno burguês". A começar pelos jargões ultra-esquerdistas (Roberto Campos dizia que se conhece um marxista pelo “sotaque”), deveríamos terminar nossa discussão aqui. Tal sujeito não é digno do nosso crédito (meu, seu e do Ney). Contudo, acredito ser conveniente fazermos uma pequena análise crítica dessa visão presente em determinados seguimentos da “comunidade” homossexual.
Não quero discutir aqui o real papel das Paradas Gays. Se elas devem existir, se devem ser repensadas ou refeitas... Isso não é nosso objetivo agora. O que não concordo é forma como o discurso do senhor Matogrosso ter sido distorcido e rechaçado por nossos amigos gays “cabecinhas”.
Ney sabe muito bem o que diz. Seus shows e performances em décadas passadas eram célebres e sua estética era totalmente provocadora. Mas, convenhamos. Estamos falando de um evento privado, voltado para adultos, o que, a meu ver, não tem nada de mais. Mas acredito que os excessos cometidos por alguns  em eventos como as Paradas Gays passam a imagem de que todo gay é movido a sexo e adora aparecer.
Lembro de uma situação vivenciada por um primo e seu filho de apenas quatro anos. Ambos precisaram frequentar o banheiro de um shopping center movimentando e, estando no local, depararam com dois homens fazendo pegação [1]. Detalhe: tudo isso ocorreu por volta das 16 horas. Indignado com a situação, procurei um colega e disse ao mesmo que deseja encontrar com a coordenação da Parada Gay da minha cidade, para orientar aos homens gays e bissexuais a não se encontrarem em banheiros públicos em plena luz do dia. A resposta do meu colega: “Esquece! Eles vão te crucificar até a alma!”.
É corrente entre os homossexuais brasileiros acreditar que nossos dirigentes sãos “os caras” e que, se for para dizer algo contrário à intelligentzia LGBT, é melhor ficar calado. Essa visão, além de totalitária, é ignorante. Infelizmente a esquerda, ao trazer o discurso de luta de classes para o seio da comunidade gay, nos leva a acreditar que tudo se passa pelo “ter” e pelo “não-ter”.
Ao nosso “coleguinha” militante lá de cima, só posso dizer: não, Ney Matogrosso não está medroso e conservador, mas maduro e mais sábio. E, desde quando ser pobre e morar na favela é sinônimo de ser vulgar?

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[1] Pegação é um termo frequentemente associado à prática sexual anônima entre gays, com consentimento de ambas as partes, em lugares públicos.

Um comentário:

  1. A questão é que um beijo entre duas pessoas do mesmo sexo não deveria ser nem mais nem menos do que um beijo entre duas pessoas de sexo diferente, e portanto, não concordo com o que o Ney disse. Afinal, por que quando um casal hetero se beija tudo bem, mas quando é um homo, é algo errado, que não pode ser feito em frente às crianças? Esse discurso dele eu realmente nào concordei.

    Sobre a questão da pegação no banheiro, eu concordo que pessoalmente ficaria constrangido, mas isso seja hétero ou homo, deixemos claro. Sobre a crítica do ativista, também meio que entendo. Pois é um fato que acima da homofobia, a desigualdade social ainda é a que mais pesa no Brasil (e acho que em quase todo lugar). Logo, a realidade para um homossexual de periferia é muito distinta de um homossexual de classe social mais alta.

    Se o jovem gay, classe média-alta, tem a Av. Paulista, a Augusta, ou as opções 'GLS' de lazer e vivência de sua sexualidade. O jovem de periferia não o tem, às vezes por questões 'geográficas, às vezes por questões financeiras (o custo das baladas gays, por exemplo).. e uma vez tendo como pano de fundo estas disparidades, começa-se a entender o porque de ainda existirem pegações em banheiro, e o porque de a Parada Gay ter atraido ultimamente cada vez mais pessoas das classes menos favorecidas... para muitos é o único dia possível de celebrar a sua sexualidade nesta cidade...

    Consegui me explicar? Bom, é isso, acabei de encontrar o blog, começarei a acompanhá-lo daqui em diante, já estou seguindo vocês no twitter.

    Atenciosamente,
    Alex.

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