quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Por dentro da cabeça de Camille Paglia


Para muitos, Camille Paglia realmente é uma persona non grata. Considerada como uma intelectual com contradições aparentes, Paglia define-se como uma pós-feminista que critica o puritanismo e stalinismo feministas.
Bissexual assumida, Camille Paglia possui visões consideradas heterodoxas para muitos: é pró-pornografia, admiradora das artes "elitista" e "popular", crítica feroz de democratas e republicanos e já disse que o aquecimento global é pura bobagem.
Simpatizante de certas correntes dentro do liberalismo (na concepção europeia), ela responsabiliza as mulheres pela situação que as mesmas enfrentam no mundo ocidental. Veja o que Paglia disse quando houve aquele caso do escândalo sexual a envolver o então presidente Bill Clinton e a estagiária Mônica Lewinski: “Para cada assediador sexual grosseiro, existem 10 mulheres sicofantas que desavergonhadamente usam seus atrativos sexuais para avançar na carreira. Não queremos uma sociedade supervisionada por velhas governantas e dedos-duros. A missão correta do feminismo é encorajar as mulheres a agir responsavelmente, sem ter de ficar pedindo socorro todo o tempo a figuras que encarnam a autoridade paterna”.
Bem, não precisa nem dizer que Paglia foi amaldiçoada até a quinta geração pelas feministas radicais.
Ela possui alguns livros editados em língua portuguesa: Vampes e Vadias (1996), Sexo, Arte e Cultura Americana (1993), Os Pássaros (1999) e Personas Sexuais - Arte e Decadência de Nefertite a Emily Dickinson (1992). Suas áreas de estudo são História, Arte, Poesia, Cultura Pop e Sexualidade.
Fiz um apanhado de algumas entrevistas de Camille Paglia que encontrei pela internet. Publicarei somente alguns trechos:

Em um recente artigo, a srª. defendeu o ensino religioso.
Minha opinião é que a religião não deveria ter influência na política, mas ela é absolutamente central para a cultura e a experiência humana. Ainda que eu não acredite em Deus, considero as grandes religiões do mundo sistemas que de fato ajudam a entender os mistérios do universo e da vida humana. Quando intelectuais tomam a posição de que as pessoas inteligentes não crêem em Deus e que apenas os fracos ou os tolos acreditam no que diz a religião, é um desastre para os mais jovens. Não dá para entender o mundo e sua história sem conhecer as grandes religiões.

A srª. já disse que à evolução do capitalismo se deve a mulher emancipada. Não é natural esperar que países ditos subdesenvolvidos tenham mulheres emancipadas ao atingirem o desenvolvimento?
Eu tenho dito que, por causa do capitalismo, aparece a mulher moderna emancipada. É por causa da Revolução Industrial e do trabalho fora de casa que as mulheres puderam ser livres do controle do marido, do pai, do irmão.
Mas temos que ser realistas e reconhecer que isso é um produto da cultura capitalista ocidental, de um momento particular. Feministas têm frequentemente valorizado ou venerado a "mulher de carreira" e a posto num lugar mais alto que a mãe e a esposa. Isso, porém, vai contra a maneira como a maior parte das mulheres no mundo se sente verdadeiramente.
O movimento feminista tende a denegrir ou marginalizar a mulher que quer ficar em casa, amar seu marido e ter filhos, que valoriza dar à luz e criar um filho como missão central na vida. Está mais do que na hora de o feminismo ocidental conseguir lidar com a centralidade da maternidade para a maioria das mulheres no mundo.
Não quero as feministas ocidentais destruindo valores e tradições de culturas locais. Feminismo deveria ser sobre mulheres terem a oportunidade de avançar, não serem abusadas e terem o direito de auto-subsistência econômica para não depender de um parente homem.

Durante décadas, a senhora escreveu artigos elogiando Madonna, a quem considerava "a verdadeira feminista". Depois, mudou de opinião. O que aconteceu?
Ela está patética. O que mais me espanta é esse envolvimento com a cabala. De um lado está a Madonna dos anos 80, um símbolo de rebelião contra a ortodoxia religiosa. Agora temos a Madonna pregando a cabala, catequizando pessoas. Para Madonna, consultar a cabala é como ir ao terapeuta. Não é uma crença religiosa, é um modo de lidar com seus problemas psicológicos. E não é coincidência que a criatividade dela tenha decaído. Além disso, ela está um monstro. São inacreditáveis aqueles braços grotescamente musculosos e mãos que lembram garras. Não me parece uma sexualidade realmente autêntica, é muito conceito, muito planejamento mental. Ela deveria meditar sobre sua grande influência, Marlene Dietrich, com quem viveu algo muito triste. Madonna quis fazer um filme sobre Marlene, que ainda estava viva, reclusa em Paris. Marlene não quis. Não permitiu que ela a interpretasse, por considerá-la muito vulgar. Madonna se casou com um homem dez anos mais novo e começou a lutar para parecer uma menininha. Quanto tempo vai continuar com isso?

Tantos anos de pós-feminismo e as mulheres parecem continuar a viver em conflito diante de seus diversos papéis. Há solução à vista?
Não. É um dilema terrível quando as mulheres aspiram a ter filhos e carreira. E é um dilema que não afeta os homens. Não por uma questão de discriminação da sociedade, mas simplesmente porque a natureza escolheu deixar o enorme fardo da gravidez para as mulheres. Vemos nos tempos modernos uma evolução da antiga família ampliada, da grande família tribal, em que diferentes gerações viviam juntas, rumo ao modelo em que as pessoas vivem isoladas em famílias nucleares, seja mãe, pai e filho, seja mãe divorciada e filho ou mãe solteira e filho. Isso põe as mulheres sob enorme pressão para fazer coisas que antigamente eram feitas pelas parentes. Antigamente, no interior, quando uma jovem ficava grávida, ela não fazia nada. As mulheres mais velhas a dominavam e ficavam dizendo "Vá descansar, saia da cozinha. O filho que você leva aí dentro é o nosso sangue". Hoje, quanto mais bem-sucedida a mulher, mais distante ela está desse modelo comunal. Ela vive louca atrás de babá, empregada, enfermeira. Consequentemente, sofre um nível de intensidade nervosa e de exaustão sem precedentes na história. Alguém se lembra de ter tido uma avó agitada?

As mulheres perdem com isso?
Claro. A feminilidade americana hoje é estressada, é louca, é "superconceituada". Todas as mulheres querem ser a Carrie de Sex and the City. Não acho nada estranho que tantos rapazes bonitos e inteligentes não queiram se casar ou sejam gays. O máximo que uma mulher jovem e bem colocada na carreira tem a oferecer é uma instigante conversa sobre trabalho ou um empolgante almoço de negócios. É um tédio conversar com elas.

Qual é sua posição acerca da visão extremamente negativa que Hitchens tem da religião?
A ciência é muito importante, mas sempre incompleta, porque ela jamais pode dar conta dos grandiosos mistérios do universo. Hitchens está simplesmente errado ao dizer que a religião é sempre uma fonte do mal. Seus códigos morais foram de grande serventia para a humanidade - ainda que eu mesma tenha me rebelado contra o puritanismo e o autoritarismo da igreja na minha juventude.

Você já criticou o casamento gay. Por quê?
Por vinte anos, eu tenho clamado pela substituição de todo casamento, homossexual ou heterossexual, pela união civil. O Estado, que governa os direitos de propriedade, deve ser estritamente separado da religião e não deve jamais sancionar sacramentos religiosos. Pessoas que querem a benção de uma igreja devem se sentir livres para ter uma segunda cerimônia na igreja que escolherem.
Eu acredito que os ativistas gays dos Estados Unidos cometeram um sério erro estratégico ao reivindicar o casamento, porque a palavra "casamento" é muito associada à tradição religiosa e gera uma revolta entre os conservadores. Ao contrário, os ativistas deveriam se concentrar nos benefícios específicos injustamente negados às uniões gays. Por exemplo, nos EUA, se um gay morre, seu parceiro não recebe os benefícios do Seguro Social, que no caso das uniões heterossexuais vai automaticamente para o parceiro. Isso é uma afronta! Mas este ponto tem sido deixado de lado pelos ativistas gays por conta do seu entusiasmo pela quimera reacionária do "casamento".

Como você avalia a possibilidade de um relacionamento amoroso de longa duração entre duas mulheres?
Para ser franca, sou pessimista quanto a eles do ponto de vista erótico. As lésbicas formam laços de lealdade muito profundos - compromissos vitalícios que têm sido observados desde o famoso caso das "senhoritas de Llangollen", que aconteceu há dois séculos no País de Gales. Mas sou cética sobre quanto "fervor" sexual ainda pode existir entre duas mulheres depois de 10 ou 20 anos.
Existem, entre escritores gays, casos muito famosos de casais de homens que ficaram juntos por toda a vida - W.H. Auden, Allen Ginsberg, Gore Vidal. Mas eles jamais exigiram de seus parceiros a exclusividade sexual. Ambos os amantes tinham divertidas aventuras alhures com jovens atraentes. Isso não parece possível com as lésbicas. A aventura externa acaba representando uma traição do laço emocional. Eu mesma fui, de modo entediante, monogâmica em minha conduta. Olhando em retrospecto (dado o número de assédios que recebi tanto de homens quanto de mulheres nos últimos 20 anos), acho que foi um erro!

Qual é a sua opinião sobre a adoção e a criação de crianças por casais gays?
Meu filho, que adotei legalmente depois que nasceu, sete anos atrás, é o filho biológico de Alison (ex-companheira de Paglia - nota nossa) e está sendo criado por nós duas de modo amigável. Usamos uma clínica de fertilidade da Filadélfia e um banco de esperma da Califórnia para escolher um doador anônimo. Tivemos a sorte de a adoção gay ser permitida no estado da Pensilvânia – o que não ocorre em algumas partes dos EUA. Não gosto da ideia de "duas mamães" ou de "dois papais" para os filhos de casais gays. Acho que isso pesa muito sobre a criança na forma de aborrecimentos desnecessários durante a adolescência.
Meu filho tem apenas uma mãe - Alison - e é por isso que ele tem o sobrenome dela. Não gosto dos nomes longos nem das combinações hifenizadas construídas por muitos pais gays. Essas são estratégias desenvolvidas para proteger o amor-próprio de adultos e não para o bem da criança. De forma geral, a criação de uma criança por um casal gay é um enorme experimento social tornado possível por um clima liberal na cultura ocidental. Tenho muita esperança de que os resultados gerais serão positivos - mas a essa altura ninguém pode ter certeza.

Referências
CARDOSO, Ary Carlos Moura. Feminismo erra ao excluir dona de casa http://recantodasletras.uol.com.br/entrevistas/703341. Acesso em 30/12/2009.
FISCHER, Milena. Quem tem medo de Camille Paglia?
LINHARES, Juliana. Revista VEJA | Edição 2101 | 25 de fevereiro de 2009 http://veja.abril.com.br/250209/entrevista.shtml. Acesso em 30/12/2009.
REVISTA CULT. Edição 138. A combativa teórica do pós-feminismo

3 comentários:

  1. Desde que ouvi seu nome pela primeira vez, há um bom tempo, sempre esteve envolvida em controvérsias. Me lembro perfeitamente do ódio que era capaz de despertar nas pessoas mais radicais. Sempre a admirei, pessoas polêmicas, no geral, sempre são extremamente interessantes e na maioria dos casos nunca teem rabo preso com ninguém, são mais livres. Acho-a fantástica e de uma lucidez impressionante. Foi um prazer reler algumas de suas opiniões. Outro grande ponto para o Blog, parabéns.

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  2. Olá, Mano.
    Como sempre, você nos ilumina com seus comentários. Muito obrigado e retorne sempre!

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  3. Parabéns pelo blog e pela postagem sobre a Camille Paglia. Ela tem ótimas reflexões sobre a questão da mulher e da homossexualidade. É considerada, por alguns, como feminista individualista ou libertária, espécie rara em nosso país. É uma grande polemista também. Abraço,

    Míriam

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