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quinta-feira, 17 de setembro de 2009
Entrevista histórica: Patrick Guerriero
(Entrevsita um pouco antiga - de 2005, na era Bush ainda - mas muito boa. Não dá para concordar com tudo com o que diz Guerriero, mas é digno de nossa admiração").
"Bush nos traiu"
Líder dos homossexuais republicanos diz que o presidente dos EUA quer transformar os gays em cidadãos de segunda classe
Entrevista concedida a Gabriela Carelli
Desde que ingressou no Partido Republicano, há dez anos, o americano Patrick Guerriero só coleciona vitórias. Foi três vezes deputado no Estado de Massachusetts e duas vezes prefeito de Melrose, cidade próxima a Boston. Também foi assessor especial de quatro governadores. Atualmente, na condição de diretor executivo do Log Cabin Republicans – organização conservadora que representa quase 1 milhão de homossexuais em 46 Estados americanos –, ele é o gay mais importante do partido de George W. Bush. Desde a semana passada, Guerriero é também um dos mais agressivos críticos do presidente dos Estados Unidos. O motivo da divergência é a proposta feita por Bush de adicionar à Constituição uma emenda que proíba o casamento gay. Guerriero diz que Bush está desesperado, perdeu a decência ao dispor da vida dos homossexuais para tentar ganhar alguns votos e corre sérios riscos de ser derrotado nas eleições de novembro. Filho de um casal de imigrantes italianos, formado em ciências políticas pela Universidade Católica da América em Washington e católico praticante, Guerriero até cogita votar na oposição nas eleições presidenciais. Aos 35 anos, ele concedeu a seguinte entrevista a VEJA.
Veja – O presidente George W. Bush já tinha deixado claro havia bastante tempo que se opunha ao casamento gay. Por que só agora o senhor decidiu romper com ele?
Guerriero – Por duas razões. A primeira é que não se trata apenas de uma proibição, e sim de pura discriminação. O texto de emenda constitucional proposto por Bush não se limita a proibir o casamento gay de véu e grinalda e a cassar o direito de cada Estado de decidir livremente sobre o assunto. Também não reconhece a união civil e nenhum tipo de relação homossexual. Isso impediria que os gays que vivem juntos viessem a desfrutar qualquer um dos direitos do casal heterossexual: criar filhos, receber herança do parceiro, ter acesso à previdência social. Os gays seriam transformados em cidadãos de segunda classe. Se uma emenda dessa é aprovada, pode prejudicar os gays americanos por gerações.
Veja – Qual a segunda razão?
Guerriero – Bush está mexendo num vespeiro. A Constituição dos Estados Unidos é um dos bens mais preciosos dos americanos, reconhecida por defender os direitos civis. Nunca foi aprovada uma emenda para denegrir ou diminuir os direitos de um grupo. A maioria dos americanos é contra o casamento gay, mas uma maioria esmagadora é contra pôr o dedo na Constituição por um motivo como esse. É uma atitude desesperada de um presidente desesperado para se reeleger. Bush, na verdade, está transformando o jogo político numa guerra cultural para dividir o país e desviar debates. Isso não só é perigoso como ultrapassa a linha da decência.
Veja – Mas, se a maioria dos americanos é contra o casamento gay, não se trata de uma boa jogada eleitoral para Bush?
Guerriero – Ele vai se dar mal por várias razões. Nós, gays republicanos, estamos desapontados, nos sentimos traídos. O grupo o apoiou em todas as iniciativas da Casa Branca, da guerra contra o terror aos assuntos econômicos. Sempre estivemos a seu lado. Agora, Bush está fazendo exatamente o contrário do que prometeu no início da campanha de 2000. Na época, ele se comportou como um republicano cheio de compaixão. Onde está a compaixão em tirar a felicidade e os direitos de pessoas que pagam impostos, cumprem leis? Não há compaixão em usar a vida pessoal de cidadãos como peça de uma campanha eleitoral. Nem faz parte dos princípios conservadores mudar à toa a Constituição.
Veja – O senhor acredita que o voto dos homossexuais faça diferença nas eleições americanas?
Guerriero – Tenho certeza. Os gays republicanos são o maior grupo organizado do partido. Note que não seríamos apenas nós que votaríamos contra a reeleição. Estariam no mesmo barco os gays democratas, os gays sem partido, todas as pessoas que não agüentam mais tanta intolerância de Bush. Quem não é gay também está cansado. O povo está farto da imprudência de políticos que pensam em reescrever o documento mais valioso deste país, que é a Constituição. Exceto aqueles de extrema direita, os heterossexuais americanos não estão preocupados com os gays, e sim com os outros problemas que os afligem. Falta de emprego, instabilidade econômica, soldados que morrem no Iraque, terrorismo. Não adianta se esconder atrás da fraqueza dos outros. As pesquisas mostram que, como na eleição passada, a disputa é acirrada. Cada voto vale ouro. Bush entrou num cassino e resolveu apostar.
Veja – O senhor já sabe como votarão os gays republicanos?
Guerriero – Boa parte do quase 1 milhão de gays que integram nossa instituição já decidiu votar nos democratas, outros 30% não vão votar e o restante espera para ver se apóia ou não o presidente. Um bom exemplo do poder das minorias ocorreu com o próprio George Bush pai, em 1992. No desespero, ele decidiu apostar na guerra cultural contra gays e lésbicas. Perdeu as eleições. Foi justamente quando os gays republicanos decidiram formar os Log Cabin Republicans para garantir seus direitos e evitar manobras políticas desse tipo.
Veja – O que determina seu voto, o fato de ser homossexual ou suas opiniões políticas?
Guerriero – Durante toda a minha vida tentei pesar as duas coisas. Mas não neste caso. A idéia de que eu possa ser visto como uma pessoa inferior pela Constituição é um acinte. Além disso, como político, tenho de pensar nos outros na hora de decidir meu voto. Penso não apenas em mim, mas nas famílias americanas, sejam gays ou heterossexuais. Meu voto pode mudar a vida de milhões de pessoas.
Veja – O senhor pensa em votar no candidato democrata, o senador John Kerry?
Guerriero – Eu não concordo com o senador John Kerry em muitos assuntos. Ele defende a união civil entre homossexuais, mas votou contra o casamento gay em 1996. Vou esperar para ver. Em poucos dias iremos lançar um documento contra Bush. Tudo vai depender do que está por vir.
Veja – O presidente Bush argumenta que o casamento é a instituição mais importante da civilização e que não pode ser desviado de sua rota cultural, religiosa e natural sem prejudicar a sociedade. O que é o casamento, na sua opinião?
Guerriero – Há dois tipos de casamento. O primeiro é o religioso, calcado na procriação. O outro é o civil, que permite a duas pessoas que se amam comportar-se como seres humanos. Ficar ao lado do parceiro no hospital, deixar a ele uma pensão. É isso que defendo. Não estamos mais na Idade da Pedra. Casamento não é só uma forma de procriação. O casamento evoluiu, a sociedade também. Casar é uma forma de duas pessoas expressarem amor. Os problemas da América e do mundo são infidelidade, divórcio, crianças abandonadas. Não adianta blasfemar contra os gays. Pelo amor de Deus, já está na hora de mudar o discurso!
Veja – Muitas pessoas acham pouco saudável que uma criança seja criada por um casal gay. O que o senhor pensa a respeito?
Guerriero – O que é uma família? Duas pessoas que procriaram, trabalham 24 horas por dia e deixam o filho com a babá? Há muitas assim, como há muitos gays que cuidam melhor de suas crianças que um homem e uma mulher. Hoje, nos Estados Unidos, há mais de 1 milhão de crianças sendo criadas por gays e lésbicas. Imagine se estivessem em creches. Elas precisam, mais do que tudo, de amor e apoio. E há gays dispostos a lhes dar isso.
Veja – Qual a diferença entre ser gay republicano e gay democrata?
Guerriero – Nós, republicanos, acreditamos em impostos mais baixos, num governo mais centrado. Os democratas são favoráveis à maior quantidade de programas sociais, por exemplo. São questões políticas. Mas há uma diferença básica no que diz respeito aos republicanos. A maioria de nós é religiosa, defende a família. Defendemos a moral dentro do homossexualismo. Muitos gays se tornaram republicanos exatamente porque hoje há uma quantidade muito maior de famílias homossexuais. O que procuram é a estabilidade que nós, conservadores, defendemos. Nosso grupo dobrou em tamanho desde os atentados terroristas. É uma questão de valores.
Veja – Os valores morais conservadores não repudiam o homossexualismo?
Guerriero – Muitas pessoas dizem que eu vivo minha vida em contradição. Sou republicano no Estado menos republicano dos Estados Unidos, Massachusetts, conhecido por seus políticos democratas, como John Kennedy e, agora, John Kerry. Outras não entendem como posso ser gay e pertencer ao partido mais conservador do país. Ser católico praticante causa ainda mais espanto. A questão é que eu acho que se pode acreditar em instituições sem aceitá-las integralmente. É possível mudá-las participando do dia-a-dia dessas organizações. Não adianta fazer como muitos por aí e esbravejar do lado de fora. Estou no Partido Republicano porque concordo com alguns pontos de seu programa. Não sou contra o aborto, por exemplo. Muitos de meus colegas são. Luto pelo direito das mulheres de escolher ter ou não filhos. Estou convencido de que a seção gay republicana é a instituição que mais luta pelos direitos civis, tanto dos homossexuais quanto dos heterossexuais. Estamos na mesma agremiação que a extrema direita para fazê-la calar quando necessário. Quanto mais próximo do inimigo, mais dura e eficaz é a luta. Batemos de frente com pessoas que não aceitam a Igreja separada do Estado, que não acham conveniente usar camisinha. Os democratas estão longe dessa gente. O mesmo acontece com a Igreja Católica.
Veja – O que há de errado com a Igreja, na sua opinião?
Guerriero – Muita coisa. A Igreja deveria reconhecer que todos são filhos de Deus, o que não ocorre. A linguagem usada pela Igreja Católica faz com que algumas pessoas se sintam bastardas, como se não fossem filhos do mesmo Deus. É triste quando a Igreja é usada para levar certas pessoas a não se sentirem verdadeiros seres humanos. Eu vou à igreja sempre que posso. Viajo pelo país e freqüento a paróquia mais próxima. A religião é uma forma de acalentar as pessoas. Não é porque muitos católicos são contra o homossexualismo que vou abandonar meus princípios, vou esquecer minha educação religiosa. Rezo ave-maria e pai-nosso quando tenho medo. Acredito nisso.
Veja – Ser gay influenciou sua carreira?
Guerriero – Minha orientação sexual nunca atrapalhou minha vida. Também não melhorou. Não me tornei político por causa disso, mas para melhorar a vida das pessoas. O problema é que, ao admitir ser gay, você ganha um rótulo e parece que sua vida tem obrigatoriamente de girar em torno disso. A comunidade que me elegeu me julgou por meu caráter, minhas credenciais e posições. Nunca se importou com minha orientação sexual. Fui reeleito com 80% dos votos para prefeito. Não é possível que 80% da população de minha cidade, Melrose, seja gay.
Veja – O senhor sofre alguma discriminação por ser gay?
Guerriero – Como muitas pessoas, eu tive dificuldades no início. Muito jovem, eu já sabia que tinha algo diferente. Mas naquele momento não fazia idéia do que era ser homossexual. Minha geração não dispunha de todas as informações na TV como a de hoje. Também não havia pessoas que a representassem de forma digna, não se falava no assunto com tanta transparência quanto atualmente. Assumi minha homossexualidade na faculdade. Também não houve problemas. Fiz parte do time de futebol americano. E nenhum dos jogadores ousou me desrespeitar. Posso dizer que sou um dos gays mais sortudos dos Estados Unidos. Tive muito apoio dos meus pais, da minha cidade. Por sorte não nasci no grotão americano, onde tudo teria sido bem mais difícil.
Veja – O senhor acredita ser um modelo para os jovens gays?
Guerriero – Se um garoto de 15 anos não aceita que é diferente dos colegas, se está lutando contra sua orientação sexual, ter um modelo a seguir faz muita diferença. Uma coisa é ligar a TV e ver os gays estereotipados, uma espécie de caricatura do que é ser gay. Outra é ver alguém bem-sucedido ocupando um alto cargo no governo, bem-vestido, falando da mesma forma que qualquer pessoa. Isso, mais do que ter o apoio dos pais ou dos colegas, vai ajudá-lo a desenvolver o senso de dignidade. Eu me considero um bom exemplo e espero ter ajudado muitos adolescentes a encontrar o caminho certo.
Veja – O senhor é casado?
Guerriero – Já tive relacionamentos estáveis e sempre cogitei a idéia de me casar. Estou solteiro agora. Mas nada me impede de encontrar a pessoa com quem eu quero dividir minha vida. E não vai ser meu partido que vai me atrapalhar.
Veja – O senhor teve uma carreira meteórica. Nunca perdeu uma eleição. Como se sente agora?
Guerriero – Estou empenhado na batalha mais difícil de minha carreira. É um momento de reflexão pessoal, de olhar para dentro de mim mesmo e questionar por que eu me comprometi com determinados grupos, até que ponto valeu a pena. Mas eu continuo disposto a falar o que penso. É a primeira vez que bato de frente dessa forma com meu partido. Infelizmente, é necessário. Estamos vivendo o período mais negro da política americana desde que iniciei minha carreira.
fonte: http://veja.abril.com.br/030304/entrevista.html
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Ah ja tinha lido sobre o Guerriero antes, essa entrevista é muito legal!
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