domingo, 19 de setembro de 2010

A regra do jogo gay

Homo ou heterossexualidade são anedotas triviais. Passageiras ou investiduras perenes do desejo
 GABRIEL ALBIAC
Data 05/07/2010
Para aqueles que vêm de 1968, homo ou heterossexualidade são anedotas triviais. Passageiras ou investiduras perenes do desejo, que é, segundo ensinam os grandes mestres do século XVII, a única essência da subjetividade humana. Desejamos. A isso se reduz tudo. Sem desejo, estaríamos mortos. Que o desejado seja uma ou outra coisa, material, psíquica ou mediopensionista; não importa. Cada um de nós vai o pegando, desde pequeno, para colocar seu desejo numa correlação custo/benefício favorável. Delimita, para ele. Marca. Exatamente igual ao que ocorre em qualquer outra faceta da vida. Renuncia ao que parece arrastar uma carga excessiva, busca automatizar os procedimentos mais agradáveis a um preço aceitável. A essa economia dos prazeres elogiava o tão ascético Epicuro a racional regulação de uma ética do homem livre. Vinte séculos depois, não é tão diferente.
O desenvolvimento psicossexual de identidade mata. Porque além de onde todo animal humano se vê no recomeço a cada momento de sua vida (isso é o que chamamos, na verdade, ser livre), os mesmos fatos atuam apenas como servos da máscara com a qual aceitou identificar-se e, portanto, ser identificado. Ou seja, que não atua: torna-se o intérprete de um papel a que se deve a todo momento se ajustar. Repete. Que esse papel seja o de heterohomoharekrishna ou sindicalista heróico, dá no mesmo. No idêntico, já nada é que a regra do jogo aceita impõe o que é. Sobre essa identidade passam, de imediato, a sobreposição das blindagens litúrgicas, feitas de intangíveis repetições e de bem reconhecível revestidura: os lugares e gestos partilhados e poder compartilhado, mudou para um uso sagrado. Vem disso a força, tão gratificante, daqueles que se reconhece em uniforme e cultivado, a força do grupo fechado com próprio código. Mas também seus custos de rejeição ao outro e, no máximo, de gueto-autossatisfeito. As seitas são a forma extrema dessa perversão do comunitário. Mas, em graus variados, ameaça a todos nós. Aquele que se sente bem ao pronunciar um enunciado do tipo «eu sou tal coisa», já começa a sê-la: coisa. Nada aniquila mais a liberdade que isso.
Desfilaram no sábado, não os homossexuais; [foram] os gays: porque parece supor-se que um não «alegre» não merece o orgulho de ser idêntico aos dos carros alegóricos. Além disso, um judeu. Ainda que Israel seja o único país do Oriente Médio no qual ser homossexual não leva à prisão ou à morte. Nem os judeus nem os melancólicos merecem oficiar a liturgia que dá a cena ao pitoresco código de [BibianaAído e de [Pedro] Zerolo[1]. A verdade é que poucos tão ofensivos à homossexualidade conhecem esses carnavais ridículos que se dão a si mesmos o nome de «Desfile do orgulho gay» e que, afinal, servem somente para que uma máfia, sempre protegida por um poder político corrupto, vive às custas daqueles que ingenuamente acreditam estar trazendo um pouco de liberdade e não fazem, na realidade, mais que perpetuar o tema, fechar hermeticamente identidades sexuais em torno de folclorismos bregas, repetir chavões mais restritivos e, aliás, favorecem outros ou o pior: o anti-semitismo de, por exemplo, um [Miguel ÁngelMoratinos [2]. Ou de um [José Luis Rodríguez] Zapatero [3].

[1] Bibiana Aído - Política andaluza e política do Partido Socialista Obrero Español (PSOE). Pedro Zerolo - Venezuelano naturalizado espanhol, é político e também é membro do PSOE. Este, proíbiu a participação de um grupo de LGBTs israelenses da Marcha do Orgulho Gay de Madrid.
[2] Miguel Ángel Moratinos - Político e diplomata espanhol. Membro do Partido Socialista Obrero Español (PSOE).
[3] José Luis Rodríguez Zapatero - Primeiro-ministro espanhol e membro do Partido Socialista Obrero Español (PSOE).

Notas do Tradutor.

2 comentários:

  1. Muito bom, foi um prazer ler o texto. Parabéns.

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  2. E o papel dos homofóbicos que cospem na homossexualidade e cometem atrocidades porque você quer, justamente, ter a liberdade de expressar este seu desejo abertamente, como qualquer um?

    Por mim, e acredito que para os gays em geral que já sofreram preconceito, ter o 'orgulho' e a 'identidade gay' não foi escolha nossa, foi algo imposto à nós - e bem, lutemos ou nos calemos é o que eu penso.

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