sexta-feira, 2 de abril de 2010

Meu problema com o movimento negro

Antes de qualquer coisa, quero deixar claro que sou um entusiasta dos movimentos que militam pelo fim de toda e qualquer forma de discriminação – incluindo a racial. A garantia dos direitos civis, o tratamento igualitário entre as pessoas e as denúncias de racismo são coisas que sempre me atraíram. Contudo, o movimento negro oficial tem se enredado em posições insustentáveis nos últimos anos. Vamos aos fatos.
Semanas atrás, ao fazer um requerimento de matrícula num curso de pós-graduação, deparei com uma ficha de inscrição que, além de conter uma série de perguntas inúteis, incluía uma bem específica – Qual é sua cor/raça?
Confesso que, de imediato, não dei a devida importância ao enunciado. Nunca me vi como membro de uma “raça” ou “cor”. Tampouco me considero pertencente a um “povo” ou “etnia” (para mim, isso remete aos nacionalismos baratos do século XX, que deram origem aos regimes totalitários que conhecemos). Minha árvore genealógica é um ponto de encontro de “raças”, “povos” e “etnias” que, na hora, escolhi o quadrado que continha a palavra “pardo” (havia também a alternativa “cor não declarada”, mas não a vi como uma possibilidade no momento).
A inclusão de questionários desse tipo não é apenas uma forma de conter um dado a mais – para a felicidade dos nossos eufóricos estatísticos. Faz parte de uma nova arquitetura sociológica que visa racializar o nosso país, nos dividir em “raças”.
Ao fazer uma leitura mais detalhada do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) encontrei algumas medidas discriminatórias, dentre as quais, a seguinte: “Determinar ao IBGE a adoção do critério de se considerar os mulatos, os pardos e os pretos como integrantes do contingente da população negra”. Isto quer dizer que, por um passe de mágica, qualquer mestiço deverá apagar da sua história familiar e da sua genética todos os seus antepassados brancos, indígenas, amarelos e sabe-se lá mais o quê. Esta medida, além de imbecil, é uma tentativa do governo de impor a identidade negra aos brasileiros (que na sua maioria são mestiços).
Já ouviu falar da One Drop Rule (Regra de Uma Gota)? Foi uma política racista criada pelos brancos dos Estados Unidos, muitos ligados à Ku Klux Klan. De acordo com eles, qualquer cidadão americano que tivesse algum grau de ancestralidade negra (mesmo que fosse uma “gota” de sangue) seria considerado negro. O escritor Jean Toomer – um homem que era fascinado por mulheres bissexuais e que recebeu a alcunha de "Miss Toomer" pelo editor do The Liberator – foi uma vítima desta visão rasteira e preconceituosa. Mesmo comprovada a debilidade dessa lei, parece que aqui na Terra Brasilis ela está vindo com tudo...
Um outro problema do movimento negro brasileiro é que ele insiste no uso do termo “afrodescendente” para designar todos os descendentes de negros. Discordo, uma vez que ele possui erros absurdos e  é desprovido de senso antropológico. Primeiro, “africano” e “negro” não são sinônimos. Embora a maioria da população do continente africano seja “negra” (cerca de 70%), há grupos étnicos minoritários importantes como árabes, berberes, brancos, entre outros. Você é capaz de me dizer o nome da atriz africana mais famosa do mundo? O seu nome é Charlize Theron e ela é sul-africana. Acontece que a mesma é branquíssima, de olhos e cabelos claros. A menos que você seja um fã do neofacistóide Jean-Marie Le Pen ou do ditador marxista Robert Mugabe (que lá no fundo devem acreditar que os negros deveriam ser expulsos da Europa e os brancos, da África), a talentosa Theron é tão sul-africana como um líder tribal xhosa. Não é a cor da pele que determina o quão africano, europeu, americano ou asiático você é.
Também acho absurdo usar “afrodescendente” para qualquer descendente de negros, pois a maioria esmagadora dos “afrodescendentes” brasileiros são também “eurodescencentes” e “índiodescendentes”. Mais uma vez vemos a tentativa de se criar a política do "preto-no-branco", esquecendo das diferentes cores e tonalidades que formam nosso povo e nossa humanidade.
Que as culturas tradicionais africanas foram significativas na construção da identidade dos brasileiros, isto é um fato. E que as mesmas devem ter liberdade para se expressar e serem reconhecidas como um dos elementos culturais do nosso país, isto é inquestionável. Mas vejo como autoritária a tentativa de impor – e pior, via Estado – uma cultura negra, fabricada e pensada por [s]ociólogos governistas.
Não tem sentido em se comemorar um “Dia da Consciência Negra” quando a população do nosso país não é somente negra (ou branca ou indígena) – mas mestiça. Também não quero um “Dia da Consciência Mestiça”, uma vez que não devemos ser escravos de identidades pré-formatadas, temporais e desnecessárias; para mim, basta que me olhem como ser humano, um indivíduo.

REFERÊNCIAS:

GARBER, Marjorie. Vice-versa – Bissexualidade e o erotismo na vida cotidiana. 1ª edição – 1997. 672 p.

Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Programa Nacional de Direitos Humanos – 3. Disponível em http://portal.mj.gov.br/sedh/pndh3/pndh3.pdf (Acesso em 02/04/2010).

4 comentários:

  1. Bom vê-lo de volta, meu caro. Post inteligente e antenado, como de costume.
    Abraço,

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  2. Há muito o movimento negro vem me decepcionando, a cada dia se afasta e mais e mais de ser um movimento sério e respeitável. Parece-me que estão confundindo tudo, é lamentável.

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  3. Nunca li nada tão consciente a respeito de "questão racial". Seu texto é inteligentissímo e aborda exatamente o que o povo brasileiro é. Não quero ser rotulado como uma mercadoria qualquer como se estivesse num supermercado! Sou muito mais do que representa a cor da minha pele ou a origem dos meus pais. Chega de gente querendo apenas ascender politicamente com questões das "mininórias"!
    Meus sinceros parabéns!

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  4. Boa noite!

    Me perdoem pela demora!

    Míriam, obrigado pela mensagem. Tudo que vem de você é um motivo a mais para continuar com o blog.
    Marcus e "eis-me-aqui", obrigado pelos elogios. Voltem sempre para comentar.

    Bom final de semana a todos e todas!

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